Nine Kingdoms #01

Nove Reinos! A Tormenta do Fogo e do Sangue!
Angel Dracarys

“Além deste local de ira e lágrimas
Ergue-se apenas o Horror da sombra.”
– William Ernest Henly, Invictus.

– Quando os malditos nove reinos foram fundados, nove reis existiam – ela disse com certa impaciência – Como aquele deplorável Magnum ousa declarar-se o verdadeiro suserano do continente. Se tivesse decretado guerra civil contra todos os outros impérios, nada haveria de ruim. Mas promulgou uma coroação e agora espalha a notícia pelos sete ventos que será a maior e mais grandiosa comemoração já vista. É um completo absurdo!
Percebeu que sor Aaron Gray, Senhor Comandante da Guarda Real de Flames, ajeitou-se desconfortavelmente em sua armadura reluzente. Quando trouxera a notícia da proclamação de Magnum Spark, do Reino Poderoso de Imbossimg, que se autodenominava agora como o Rei de Värzeea, o homem se recolhera sob suas vestimentas de aço, temendo a ira de sua rainha, a qual não tardou a aparecer, e com razão. Para sua majestade, tudo aquilo que fosse montado de carne grudada ao osso deveria curvar-se diante sua presença, por isso o cavaleiro ainda sustentava todo o peso do corpo e do bronze sobre seu joelho direito. Sentia uma tênue emoção de compaixão ao homem, por deixá-lo daquela forma, mas sua raiva sobressaía-se.
– V-Vossa Graça, – gaguejou ele – Temo que o Reino de Twin já tenha se curvado diante do novo rei.
– Novo e ilegítimo rei, o senhor sor quer dizer, não? – reclamou Angel – Imbossimg não passa de mais um entre nove castelos, devo lembrar-lhe, e não acredito ser tão forte como diz ser. O povo de Twin foi ignorante o suficiente para simplesmente oferecer vassalagem. Fidelidade e trabalho em troca de proteção são meios básicos aos lordes, no entanto ridículos a um rei. – ela mesma já havia possuído alguns vassalos, em épocas passadas, quando sua monarquia parecia, muito inutilmente, próspera. Perdeu-os tão rápido como areia escorrendo por entre os dedos.
– Re... Magnum – disse o cavaleiro – prometeu ao reino um poderoso exército para combater o Desmoronado, antigo inimigo – a voz dele tremeu por alguns instantes, analisando as conseqüências, como sempre fazia ao transmitir-lhe uma notícia desagradável, quando disse: – Seu povo clama que faça o mesmo.
A gargalhada que a mulher expulsou das profundezas de sua garganta fez Sor Gray perder o equilíbrio por um segundo, surpreso pela reação.
– Querem que mande um exército para a guerra apoiando Twin? – adorava brincar com as palavras. Seu pai a ensinara-lhe quando criança, almejando que um dia tornar-se-ia poderosa às escondidas, enquanto o povo a subestimava, “Acreditarão que é vulnerável o suficiente só para ler a mensagem superficial das falas, enquanto, na realidade, cria planos estratégicos em sua cabeça” ele sempre lhe dizia. Vendo que o homem a sua frente não lhe respondia, concluiu consigo mesma. O reino implora que eu me ajoelhe, pensou. A ira pode ser vista inflamando ardentemente em suas bochechas – Nunca! Meu povo é ingênuo de mais acreditando que me curvarei – gritou o mais alto que pôde – Eu sou Angel Dracarys, filha de Elijah Dracarys, legítima rainha do Reino Suspenso de Flames, e recuso-me a ajoelhar diante de Magnum Spark – sua raiva floresceu como chamas consumindo um material qualquer. Suas próximas palavras não foram estudadas devidamente, visto que, em todos seus momentos de cólera, não mantinha uma mente saudável: – Eu declaro guerra contra o Reino Poderoso de Imbossimg!
A face morena de Sor Aaron tornou-se pálida e seus olhos, negros como a noite, arregalaram-se.
– Minha Senhora, não seria inteligen...
– Sou sua rainha ou não? – ela o interrompeu aos berros – Agora vá! Avise ao nosso exército que, em uma quinzena, avançaremos para nordeste e marcharemos sobre as Terras Desenvolvidas.
– Não cometa os mesmo erros que seu antepassado, Minha Majestade – o cavaleiro arriscou comentar – O exército real contava com mais de dez mil homens quando Flames era próspera, mas esses tempos se foram a muito e agora só enumeram menos de quinhentos. Nunca venceremos se travarmos uma guerra, e Imbossimg tem quase dez vezes os nossos números.
A rainha do Reino Suspenso não discutiu desta vez, pois sabia que o Senhor Comandante tinha completa razão. Diante da poderosa enfrentaria de Magnum, metade de seus homens desertaria e, por conta deste pecado, seriam decapitados, enquanto os que tomariam coragem morreriam em batalha. Quando Owen calculara ser auto-suficiente o bastante para combater o mesmo inimigo, caíra em desastre e todo o reino montanhoso foi coberto pelo sangue daqueles que o seguiram. Agora, Angel tinha quase a mesma escolha: defender suas muralhas ou atacar aqueles que iam contra sua vontade. No instante momento, esta questão seria facilmente resolvida, graças ao ódio que lhe banhava o sangue das veias, mas era uma rainha e como tal deveria acalmar suas emoções e ponderar diversos aspectos políticos e econômicos. Arrependeu-se por não ser capaz de controlar sua própria língua e, agora, obrigada a concertar suas falas anteriores.
– Levante-se, sor – murmurou. O homem obedeceu, mas manteve sua cabeça baixa como nunca havia feito. Ele está a me temer, pensou – O que acha que devo fazer agora, sor? – ela indagou, cuspindo a nomenclatura como se esta fosse a coisa mais pecaminosa que já proferiu em toda sua vida – Quer que eu corra me ajoelhar, como os meus lindos e preciosos camponeses almejam, ou me propõem algo mais sensato do que uma guerra?
– Somente a Mão do Rei pode discutir isso com Vossa Graça – respondeu o troncudo homem – Sou apenas o comandante de sua guarda, assim, não estou apto para indicar-lhe o que é certo.
– Espero que se lembre não temos uma Mão, pois sou uma rainha e não um rei e nosso último conselheiro fora decapitado – era de Lorde Andrew que estava falando, a Mão de seu falecido pai. Em seus bons tempos, era um homem inteligente e astuto que conseguia esfregar duas moedas, uma na outra, e fazer surgir uma terceira, mas traíra todo o reino passando sussurros das conversas do Pequeno Conselho para todos os outros oito reis. Elijah nem teve tempo de descobrir quanto seu conselheiro ganhava com tal traição antes de folgar dos ombros de Andrew o peso de sua cabeça, com um único golpe de espada.
– Desculpe-me senhora, mas... – conhecia Gray melhor do que a si mesma e sabia perfeitamente que o homem não resistiria por muito tempo a dar-lhe sua opinião sobre o assunto. Sua sabedoria o condena – A senhoria não tem condições de entrar em nenhum combate. Um cerco a algum lorde das Terras Desenvolvidas seria a primeira coisa que algum qualquer optaria, mas logo as tropas de Imbossimg, Meracqs e Sumerr estariam sobre a senhora e um massacre seria inevitável. Talvez colocar suas tropas impedido a passagem pela Ponte dos Reis, para que mais comida fosse impedida de alcançar as Terras Desenvolvidas, fosse sensato, mas deveríamos com isso temer a fúria de Slaewis. Assim, a melhor escolha é permanecer no vale.
– O senhor é precavido, sor, e inteligente para alguém que nasceu de uma família de uma Casa tão rebaixada, por isso têm experiência de vida, o que é ótimo. Seria uma ótima Mão do Rei caso algum dia precise, esteja avisado. Caso tenha algum interesse em subir seu poder no reino, estarei todos ouvidos – ela sorriu amargamente – Seus conselhos serão analisados, tenha certeza disto, só tenho agradecimentos. Saía – ela disse – e não informe a ninguém minhas palavras sobre guerra... por enquanto não.
– Como quiser Vossa Graça.
Sor Aaron curvou-se respeitosamente, virou-se e sua armadura brilhou uma última vez com a luz tênue das velas, ao passar pelo portal de madeira. A porta fechou-se com um ruído estridente. Livre de qualquer companhia visível, a rainha foi até a sacada de seus aposentos e debruçou-se no pilar de cimento, observando as estrelas no céu escuro, negro como às asas de um corvo.  Pelo canto dos olhos, viu nuvens negras pairando não muito longe do castelo, quase cobrindo suas muralhas e as poucas moradias ao redor. O frio atingiu-lhe a pele, o que a fez tremer.
O que o senhor faria no meu lugar se estivesse vivo, pai? Ela se perguntou.
Angel Dracarys ganhara o direito ao trono do Reino Suspenso de Flames quando assassinara seu pai, Elijah Dracarys, numa quente e úmida noite de verão, envenenando-o com Sono Profundo. Contra as vontades do Pequeno Conselho, que desconhecia o motivo da morte e almejava entregar o direito de governo à Lorde Liam, seu tio, a garota, filha única de Elijah, ainda com quinze anos de idade, sentara-se no trono esculpido de serpentes aladas. Os irmãos do antigo rei, que se autodenominavam verdadeiros sucessores por direito, não se calaram até uma terrível peste abalar o grande e poderoso reino, quando metade de todos seus habitantes tornara-se moribunda e começara a morrer. A Peste das Nuvens, como foi chamada, levara consigo a vida da mãe de Angel.
A rainha menos poderosa de todos os nove reinos que constituíam Värzeea, visto que era a única que não tinha sobre seu comando um vasto exército para o acaso de uma guerra e não dispor de monstros – era como acreditava que se chamavam, no entanto, os Sábios do Fogo insistiam que eram conhecidos como pokémons, as estranhas criaturas. Ao ver a situação de Flames naquela época, qualquer um não suspeitaria o porquê de tanta pobreza que possuía. Foi exatamente essa lembrança que Angel recordou, pelas histórias que sua mãe lhe contara, naquela noite escura e fria, enquanto contemplava as constelações.
Fora uma época de terrível guerra quando o continente de Värzeea foi dividido em nove poderosos reinos – nas terras mais ao sul, onde o frio era intenso e os homens não podiam falar sem sua respiração tornar-se névoa acima de seus olhos, nasceu o Reino Congelado de Aicoo, onde as criaturas que o habitavam eram tão frias e solitárias quanto seu clima; as ilhas mais a leste formaram o que era conhecido como o Reino Flutuante de Atlantis, onde os Domadores de Monstros controlavam imensas criaturas marinhas misteriosas de inestimável beleza; próximo ao oceano, o Reino Escravista de Slaewis era o único entre os nove que ainda utilizava esse tipo de mão-de-obra, por mais pressionado que fosse para abolir esses métodos; a oeste, os Reinos de Twin e Sibling – Caído e Desmoronado, popularmente conhecidos – nasceram juntos e poderosos, mas contraditórios, visto que viviam em plena guerra civil; nas Terras Desenvolvidas, a norte, o Reino do Verão de Meracqs era uma das três cidades-reinos, voltada para o mar e com o comércio desenvolvido para peixes e algodão; a grande potência econômica do continente, outra cidade-reino, era Imbossimg, o Poderoso, possuía um grande exército armado de aparelhos sofisticados, criaturas tanto aéreas como terrestres e uma vasta extensão de terras para plantio de ervas medicinais, temperos e recursos alimentícios; o Reino Aquecido de Sumerr nascera a extremo norte e era a cidade-reino mais visitada de todo o continente e, aproveitando-se disso e criando atrações, era o principal centro turístico; no entanto, mais a noroeste, sob os gigantescos picos de pedra, cresceu o mais surpreendente e imbatível reino entre os nove – o Reino Suspenso de Flames, construído numa altura tão grande que as nuvens aproximavam-se e cobriam algumas regiões, dando-lhe o efeito de parecer flutuar. Retinha um poderoso exercito de vinte mil homens e as criaturas mais temíveis entre os chamados pokémons – os dragões.
A pobreza de Flames começou no governo de Owen Dracarys, bisavô de Angel. Fora, de início, os tempos mais satisfatórios e realizadores para o Reino Suspenso. O comércio estava subindo, o povo, feliz, tinha comida farta para a chegada do inverno intenso, a paz com os outros oito reis era agradável a grande maioria e, dando ao resto do continente de Värzeea um medo considerável por Flames, um imenso dragão verde-esmeralda que pairava protegendo seu suserano e matando aquele que ousassem o enfrentar – o Sábios do Fogo o denominavam como Rayquaza.


Mas Owen Dracarys não estava satisfeito. O homem de meia idade queria poder sobre todos os outros e abriu uma guerra armada contra Imbossimg, tentando conquistá-la e aproveitar seus recursos econômicos. Vinte mil homens e quinhentos dragões de variadas formas marcharam na direção da cidade-reino e teriam ganhado a batalha, graças ao fator surpresa, se o Reino do Verão de Meracqs, enquanto o esquadrão atravessava suas fronteiras, não avisasse a Imbossimg a possível invasão, o que levou a uma proteção muito mais poderosa das muralhas da cidade. Quando o exercito alcançou seu destino, foram completamente destruídos por seu inimigo e obrigados a fugir com somente com 1/3 dos homens enviados e com apenas cem de seus dragões. Furioso, Owen ordenou que Rayquaza fosse enviado ao Reino Poderoso de Imbossimg, sobrevoasse-o e, se possível, o destruísse. O segundo erro do rei ocorreu quando não calculou essa ação e o poderoso dragão, tão temido por todo o continente, fora derrotado pelo pokémon supremo da cidade-reino, Deoxys.


A batalha entre as duas majestosas criaturas durara vinte dias e vinte noites e, como vitorioso, Deoxys matou Rayquaza e o sangue do monstro decapitado regou os Campos de Marfim. Livres do empecilho do medo, os outros sete reinos atacaram Flames diariamente. Protegendo seu território, o exército do Reino Suspenso foi novamente eliminado, sobrando apenas seiscentos de seus antigos homens que, percebendo a derrota, ajoelharam-se e pediram misericórdia. Imbossimg, vingando-se dos ataques contínuos de Flames no passado, invadiu suas terras e capturou todos os pokémons dragões existentes e os executou na frente de seu rei, o qual, após a retirada do exército do Reino Poderoso, jogou-se da mais alta torre de seu castelo, deixando como sucessor seu irmão. Assim, tanto a linhagem pura do Reino Suspenso de Flames como a espécie dos dragões, acabou.
Durante os anos, os outros reinos distanciaram-se o mais longe possível de Flames, não visando riquezas nem poder ao conquistá-lo, não se dando ao trabalho da árdua subida até seus domínios aéreos. E o reino destruído começou a se reconstruir aos poucos, sem ninguém cooperando ao seu lado. O plantio nas terras queimadas e podres era lento, os camponeses eram obrigados a pagar impostos mais altos, os comerciantes, de anos em anos, começavam a subir o vale cada vez mais e todo o capital conquistado era revertido para o bem do reino, mas não passava disto. ”O povo e o reino antes de si mesmo” era o lema que o pai tanto ostentava.
Angel sentiu-se irada com essa lembrança e seu ódio pelos outros reinos que, invés de, na época, ajudar seu bisavô lutaram contra ele, aumentou. Todos eles têm que estar mortos, pensou. Mas como matar alguém sem ter homens o suficiente ao seu dispor?  Humanos, nessa época, não eram assim as únicas criaturas preparadas para a luta, visto que havia seres que já nasciam para isto desde o momento que suas mães os pariram. E a resposta estava cristalina a sua frente, como os pequenos astros cintilantes no céu. Almejava relevantemente esse objetivo agora que um dos reis denominava-se como Suserano de Värzeea. Precisaria encher aquele planeta com a música, o cheiro e o medo das temíveis criaturas que voaram sobre o continente, queimando, destruindo e trazendo glória àqueles que os domavam.
– Eu preciso de dragões! – ela disse para si mesma, com o entusiasmo crescendo no peito.
  

Quando Angel Dracarys adentrou o septo, no dia seguinte, seu campo de visão encheu-se com homens e mulheres trajando vestimentas de tons alaranjados, os quais logo se curvaram respeitosamente diante de sua rainha. Angel mandou que dispensassem esses devaneios e ordenou que os dois guardas de armaduras prateadas, que a acompanharam até o aposento, esperassem atrás das imensas portas-duplas. Obedeceram. Bestas de fogo percorriam a pequena extensão do compartimento, cambaleando entre os pilares, escadarias e janelas, entre eles um macaco cuja calda ardia em brasas, uma raposa alaranjada, pássaros de encantadora penugem, um leão de juba flamejante e um estranho cachorro com chifres, seres que os habitantes do local tanto amavam. Três dos Sábios do Fogo vieram deslocá-la para o centro da habitação circular, colocando sobre suas costas uma espessa manta rubra para esquentar-lhe a pele fria. Pelo toque que lhe causara a pele, percebeu que era de veludo.
A rainha de Flames, atenta, observou os detalhes do septo enquanto descia os degraus. Cinco pilares dourados erguiam-se majestosamente na direção do teto abobadado, que representava a imagem de Rayquaza voando no céu estrelado, e eram envoltos por ramo de flores. A parede única era pintada com a história dos Nove Reinos, enfatizando a Época do Grande Dragão e os séculos futuros, previstos pelos homens que habitavam o centro religioso, revelando a queda de oito reinos. Só tento imaginar quais são eles, ela pensou. No centro do aposento, um pedestal de pedra negra suportava uma vasilha cheia de óleo, onde chamas vermelhas, quentes e vivas, crepitavam constantemente. A maioria dos Sábios do Fogo mantinha-se perto do fogo, como uma substância vital. E, de frente para as portas, uma magnífica estátua de três metros de altura, representando a grande divindade dos Sábios, enfeitada com rubis, topázios imperais e granadas, majestosa e imponente.
Quando Angel alcançou o destino, contemplou as brasas do receptáculo, revoltada. Não acreditava nos deuses que o povo sábio cultivava – Arceus e seus descendentes –, mas sentia-se mais aconchegada perto do recipiente aquecido, querendo sempre aproximar-se mais, optou também a encostar sua mão no estranho óleo, como se fosse água. Sugeriu a si mesma que talvez fosse alguma das alucinações causadas pelos incensos queimados, lançados no compartimento diariamente.
Muitos diziam que o Povo Vermelho, como os Sábios eram conhecidos nos vilarejos e entre os cochichos dos povos dos reinos, eram loucos vendo figuras na chamas que lhe atraíam tanto que abandonavam suas vidas para adorá-las, usando como monstros apenas as criaturas capazes de expelir chamas de seus pulmões aquecidos, para queimarem seus inimigos. Em Meracqs, já receberá cartas comprovando, queimavam assassinos em suas amadas fogueiras e rezavam a Arceus para que a alma do homem a sua frente transformar-se em um espírito servidor, para ajudá-los a pregar entre a população a verdade e seu deus. O rei de Meracqs deve estar tão velho que nem vê o que está acontecendo nos pátios de seu próprio castelo, ela pensou.
– Caros senhores, – ela interrompeu o silêncio monótono – venho até vocês, para pedir que...
– Nós sabemos – eles responderam em uníssono. A rainha sentia-se desconfortável perante aquelas pessoas. Vestiam-se de maneira estranha, com roupas alaranjadas e vermelhas, seus olhos eram quase brancos graças aos gases que inspiravam constantemente e seus cabelos, sempre longos, até os dos homens, eram pintados em rubro, tão vermelhos quanto sangue – Vossa Majestade quer dragões.
– Exatamente – a rainha esbanjou um sorriso conquistador – e imploro com todas minhas forças...
– Nós sabemos – gritou uma mulher alta ao seu lado – Nós sabemos de tudo! Precisa de nossa ajuda.
– E rápido – completou uma voz masculina, mas Angel não pode identificar de onde o som viera.
Como sempre, estavam certos. Ela sentiu-se irada pelo conhecimento externo dos Sábios do Fogo e tentou visualizar a cena da morte de cada um deles: afogados, decapitados, enforcados e estrangulados. Seu desejo tornou-se, misteriosamente, em arrependimento, mas nem ela mesma conseguiu distinguir o motivo desse sentimento. Seu olhar fitou as labaredas quentes e avermelhadas, que pareciam crepitar mais fortes naquele momento, e as culpou. E a culpa transformou-se em dor. Sofrimento por apontar os deuses daqueles homens como culpados, no entanto, nunca mudara suas opiniões tão facilmente. O que está acontecendo? Pensou. O que esses homens estão fazendo?
– Nós sabemos! ­­– gritou um velho de cabelos acinzentados e rubros. Seu rosto enrugado, mas sério, deixava-a nervosa. O idoso representava o tempo e a sabedoria, diziam os guardas ás vezes, contudo, Angel pensava se revelaria também o medo e o desconforto – Você...
– Vossa Graça – a rainha interrompeu-o, grossamente.
– Você não gosta de nós – ele prosseguiu como se a interferência da mulher não houvesse existido – Não importa se é rei ou camponês, nas mãos de Arceus todos somos os mesmo, condenados ao sofrimento! Você – seu dedo ossudo e torto apontou na direção de Angel – não acredita em nossas divindades e nós sabemos que seus sentimentos de ódio transmudam perante as chamas do Grande Pokémon.
 – Então as apague! – gritou ela, enfurecida – Imediatamente!
Um homem de pele escura e olhos quase completamente esbranquiçados, que os fazia parecerem cego, aproximou-se cambaleante, retirou-lhe a manta vermelha e caminhou na direção do pedestal. Quando o rapaz jogou o tecido no fogo, o odor de queimada encheu o ar e as chamas aumentaram consideravelmente. O homem virou-se mais uma vez e fitou sua rainha. Disse:
– Mas são elas que lhe darão a resposta que deseja.
Verão dragões voando nas chamas, pensou imediatamente. Por que vim procurá-los? Sou burra o suficiente para acreditar que esses loucos conseguem algo! Não imagino nem ao menos como conseguiram tanta fama e seguidores.
– Não é adequado pensar sobre nós tão rudemente enquanto está na casa de nosso deus, Vossa Graça – o mesmo homem falou, com um sorriso afetado pelo desprezo.
Angel teve um sobressalto ao ter o conhecimento que o rapaz sabia perfeitamente o que acabara de passar-lhe a mente. Os pêlos de sua nuca arrepiaram-se e não teve como conter que suas mãos tremessem descontroladamente.
– Como você...?
– Deseja saber como terá os seus dragões ou prefere ter uma aula sobre Arceus invés disto. Acho que a senhora encontrará grande paz interior se a escutar.
– Quero meus monstros! Mas também quero saber como descobrem o que penso!
– Nós sabemos – todos gritaram juntos e começaram a caminhar, diminuindo a distância da vasilha de óleo. O velho, quando chegou ao seu destino, colocou as mãos no fogo e, sem sentir nenhum momento de dor, tocou o líquido efervescido. Fez uma cuia com os dedos e encheu-a com o fluido, levantou-o no ar e o derramou em sua própria face, queimando-a. O idoso começou a gritar, mas, pela sua voz, Angel não conseguiu compreender se era de êxtase ou dor. Não desejou uma resposta.
No instante em que os berros cessaram, o velho de pele alva abaixou a cabeça e rodou o pescoço até que sua face enchesse o campo de visão da rainha do Reino de Flames. Um grito de terror ficou preso em sua garganta, engasgando-a. A face achava-se desfigurada e pedaços de pele desgrudaram-se da origem e pendiam no ar, os olhos fechados, cabelos queimados caindo e seus lábios, antes tão retilíneos e claros, não passavam mais de uma tênue linha rachada. Sangue corria do canto do largo sorriso do idoso e um pouco do estranho óleo ainda molhava seu rosto.
– Nós sabemos – murmuraram os outros, quase cantarolando – Nós sabemos, nós sabemos, nós sabemos...
– Guardas! – ela gritou desesperada, dando passos para trás na tentativa de se aproximar das escadarias. A imensa porta dupla, entalhada com aves de rapina, balançou, contudo, não se abriu. Por mais que os cavaleiros tentassem adentrar o compartimento, pelo notado, não conseguiriam. Angel começou a tremer descontroladamente, temendo o pior.


Os lábios do velho homem mexeram-se desconfortavelmente e sua boca escancarou-se o máximo possível, sem imitir nenhum som. A voz, no entanto, estridente e elevada saíra do fundo de sua garganta e fez os pêlos da nuca da soberana do reino arrepiar-se. Com calma, como se analisasse as palavras que falava, o novo espírito dentro do corpo do idoso balbuciou:
– Com fogo e sangue o antigo torna-se novo... Sob a lua de prata, aquilo que morreu renasce... Vida de gente, alma de corvo... Aquele que merece no trono sentar, que passe – o corpo do idoso remexeu numa estranha dança e seus membros retorceram em posições sobre-humanas antes que despencasse no chão, aos pés do pedestal negro, morto.
Dois jovens de não mais que quatorze anos, completamente trajados com cores avermelhadas, correram até o corpo inerte, ajoelharam-se e começaram a murmurar frases em uma linguagem estranha e de pronuncia rápida, o que a rainha julgou ser uma espécie de reza entre os Sábios do Fogo. O homem, que antes queimara seu manto, foi até sua direção e passou os dedos por sua maçã do rosto, mas ela bateu com a mão no rapaz, impedindo-o de prosseguir. Estava com medo do que aconteceria depois. Um dos jovens levantou-se novamente, fitou o homem de pele escura e ambos assentiram para os companheiros. Foi uma mulher usando um vestido que lhe coçava os tornozelos que se tornou porta-voz dos outros:
– Hoje, ao anoitecer, recebera uma visita, pois é a vida de gente, alma de corvo... Espere-a na Sala do Trono, sozinha. Aquela que te irá ver não pode lhe machucar fisicamente enquanto Vossa Graça estiver sentada em seu trono, pois feitiçaria negra não funciona contra o sangue real nos domínios de seu poder. Mas tema-a! A noite é escura e cheia de terrores e Vossa Majestade encontrará um dos piores deles. Nós rezamos para que a senhora consiga o que quer, visto que sacrificamos um dos nossos para que soubesse quem poderia dar-lhe o presente que almeja.
– Quem irá me visitar? – logo após a mulher silenciar-se, ela indagou.
– Maleficent!
Antes de poder criar qualquer uma de suas objeções em palavras, Angel ouviu as portas se abrirem com um estrondo.
Sor Aaron Gray estava esperando-a no fim do corredor, ereto e majestoso em sua armadura cor de ouro. A rainha Dracarys ordenou que os guardas voltassem a guarnecer as muralhas e explicou-lhes com rapidez que o Senhor Comandante sozinho seria capaz de protegê-la caso algum ataque ocorresse. Eles obedeceram de bom agradado e se viraram para o corredor que já haviam percorrido antes. Angel analisou, enquanto isso, as feições de seu novo companheiro protetor e não aprovou o que notou, pois ele estava preocupado, por mais que tentasse esconder esse sentimento numa expressão rígida.
– Rei Colton Blake, do Reino Flutuante de Atlantis, acaba de declarar-se rei – ele disse sem delongas.
– Pois mande nosso meistre mandar-lhe um Pidgey dizendo que já é um há mais de vinte e cinco anos, ou será que a bebida que ele tanto ama só o deixou perceber isso agora? – ela respondeu-o sarcasticamente – Não vejo nenhuma novidade nisso –, mas ela sabia exatamente o que o soldado queria dizer.
O soldado limpou a garganta com a mão direita antes de falar:
– Ele acaba de se nomear o rei de Värzeea.
– Maravilha – a rainha do Reino de Flames murmurou – Como ele se atreve também? Acha que com aquelas coisas saindo da água a seu bel prazer conseguirão torná-lo vitorioso numa guerra? Pois não vão! Blake é ingênuo e despreparado.
– Mas, Vossa Graça...
– Não importa, mesmo que agora ache que temos dois reis disputando o trono – interrompeu-o, como sempre fazia com estava tentando acalmar a si mesma – A verdadeira rainha está prestes a conseguir seu exército e finalmente poderei proferir a frase que tanto desejo. Atlantis tem água e Imbossimg tem dinheiro, mas Flames terá novamente dragões.
– Vossa Majestade, por favor, se é sobre esse assunto que foi ter com os Sábios do Fogo, imploro que reconsidere. Não são septões para dizer o que seus deuses, ou deus, conseguem fazer, mas são bruxos, vindo do outro lado do Mar de Jade, de Qarth e Asshai. Pedirão sua vida para ressuscitar os dragões. Como governará e domará seus monstros se estiver debaixo da terra?
Angel abriu um largo sorriso, como se as preces do Comandante da Guarda fossem apenas brincadeiras de criança.
– Não serão eles que me darão o que quero – ela disse.
– Então quem será?
– Maleficent – e a resposta raspou sua garganta, como seu a nomenclatura fosse entalhada em vidro quebrado. Só precisou ver a expressão de Sor Gray para entender que estava fazendo algo terrível para obter seus desejos, olhos arregalados, a expressão séria abandonada para que os corvos a devorassem, o medo enchendo-lhe o peito só por escutar o nome da mulher. Toda Värzeea conhecia Maleficent, a tão cruel e aclamada feiticeira, rotulada por uma conjurada das trevas, e seu misterioso Honchkrow que se mantinha imóvel sobre seu cajado de salgueiro, lembrado pelos rumores como um ser humano transformado em monstro pela temível bruxa. Os camponeses trancavam-se em seus lares, numa inútil tentativa de deter seu poder, as chamas-esmeralda, e pintavam suas portas com sangue de gado, considerando que afastariam as pestes de vampirismo e licantropia para longe de suas famílias. Nunca funciona, pensou a rainha. Ela sempre consegue o que quer e ela sempre quer alguma coisa. Angel nunca vira a feiticeira antes, mas já escutara milhares de sussurros sobre seu respeito. “É menos poderosa do que a rainha de Aicoo, mas tão terrível quanto às três irmãs bruxas de Castelo Noite Negra”, já ouvira algo do tipo – Ela me ajudará – completou.
Sor Aaron demorou certo tempo para captar a informação e processá-la corretamente, levando em conta uma loucura excessiva da parte de sua suserana. Ela percebeu que ele temia sua futura visitante, que faria guerra contra qualquer um para mantê-la longe, e não pôde conter o riso.
– Não ria Vossa Majestade!
– E não tente me ordenar, sor. Tem medo da mulher mais do que tem medo dos demônios que esgueiram na noite entre as árvores dos pântanos. É meu maior e único amigo, mas é tolo! Não a verá, se é isso que o deixa apreensivo, pois eu a receberei, sozinha. Foi um dos pedidos dos Sábios do Fogo e devo respeitá-lo caso queira conseguir meus dragões.
– Vossa Graça, a senhora nunca a viu, só escutou o que o povo murmura e qualquer um pode mentir. Faça qualquer coisa, eu imploro mais do que tudo, mas não fale com... ela – o cavaleiro era incapaz até de proferir seu nome – Arranque meu coração se for necessário para que seus monstros renasçam, mas não obedeça nenhuma palavra que aquela bruxa disser.
– Fico feliz, meu estimado Sor, que tem tanto carinho por mim que doaria sua vida para o meu prazer, – ela disse e então endureceu suas expressões – mas preciso saber pelo menos o que ela me propõe e o que me cobra. Talvez não seja necessário algo tão precioso como seu coração... ou sua vida.
– Minha Rainha, por favor...
– Está decidido. Vou recebê-la mesmo se o senhor sor não deseje isso. Maleficent não pode ser tão ruim quanto dizem, senão os Sábios do Fogo seriam burros o suficiente ao mandá-la até mim. Duvido disso, eles próprios me falaram que feitiçaria negra não funciona contra o sangue real nos domínios de seu poder, assim, enquanto estiver na Sala do Trono, sentada, ela não pode me fazer mal.
– Enfatizando feitiçaria negra, isso significa que ela não pode usar seus poderes esverdeados contra a senhora, mas ela ainda tem sua desprezível parte humana, dei-lhe uma faca ou uma espada e no segundo seguinte estará grudada em seu real peito. Não deve esquecer também do estranho Honchkrow que ela exibe com tanto orgulho, pode muito bem alçar vôo e atacá-la com suas garras.
– Precavido. Alguma vez disse a você, Sor, que deveria ser a Mão do Rei? – ela quis saber, toda sorrisos.
– Exatamente ontem à noite, em seus reais aposentos, Vossa Majestade, enquanto falávamos sobre o reino.
– Não retiro nenhuma palavra do que disse, então. É mais esperto do que acredita ser e, se as divindades dos Sábios forem boas, logo estarei sentada num trono maior do que possuo, com nove reinos para governar. Necessitarei de uma Mão, alguém que me ajude a raciocinar em tempos difíceis. Acho que tenho uma boa ideia de quem será a minha escolha.
  

“A noite é escura e cheia de terrores e Vossa Majestade encontrará um dos piores deles”, o interior de sua mente lembrava-lhe. Faltavam por volta de cinco minutos para que os sinos badalassem, anunciando a meia noite, e Angel já se sentia desconfortável em seu próprio trono de ouro e prata, onde belas ilustrações de serpentes aladas enfeitavam o cadeirão. Sua mão direita agarrava-se a cabeça de um dos dragões e, por mais sólida que soubesse ser, tentava esmagá-la, contendo a raiva do atraso de sua convidada. Os Sábios a avisaram que a bruxa chegaria ao anoitecer, mas não especificaram um horário correto e, por mais de duas horas, a rainha esperava entediada pela visita. Almejava suas criaturas, mas haviam guerras a ser travadas em sua mesa. Seu pai sempre a contara que existiam batalhas que eram vencidas com tinta e papel, mas nesse instante, a única luta em que estava era contra si mesma. Vou decapitar cada um do Povo Vermelho e colocar suas cabeças em estacas envolta das muralhas do castelo, caso isso for apenas uma piada sem graça. Temia que a espera fosse desnecessária e que Maleficent nunca apareceria.
Um chacoalhar de ferro contra ferro a assustou, mas era apenas sor Gray escondido entre os grossos pilares da Sala do Trono. Insistira em comparecer, por mais que a rainha mandasse-lhe ficar o mais longe possível. Chegou até a pensar, certo momento, que a feiticeira só não surgia por sua culpa, por não ter obedecido ao que lhe fora pedido. “Ficarei e a protegerei caso a criatura tente atacar Sua Majestade” ele disse “Esse é meu dever e o cumprirei mesmo se tiver que dar minha vida em troca”. Em tom irônico, a suserana de Flames sorriu e disse: “Já tentou me entregar sua vida duas vezes em apenas um dia, querido sor. Tome conta dela, pois talvez qualquer hora eu queira que cumpra seu juramento”. “Será uma honra, Vossa Graça”, ele tinha rebatido.


A Sala do Trono estava completamente iluminada e aberta. Velas haviam sido espalhadas pelo chão em pontos estratégicos para oferecer uma melhor iluminação enquanto os candelabros de ferro, com cem velas cada um, pendiam presos em argolas, entregando mais luz ao teto abobadado do que para a superfície. Todas as vinte longas janelas estavam abertas, permitindo que uma brisa suave e gélida adentrasse no local, deixando-o úmido. As imensas portas duplas tão estavam escancaradas, como numa demonstração de acolhimento para a possível convidada, e, por trás delas, o pátio central, silente e imerso na escuridão. O Pequeno Conselho lhe advertira que deixar o grande salão tão aberto era um erro extremo, já que qualquer infiel ou revolucionário poderia adentrá-lo para matá-la, mas ela não lhe deu ouvidos. Assim, tiveram que lhe entregar a alternativa de que levasse pelo menos dois guardas para protegê-la. Também rejeitou. Nem Aaron almejava por perto naquele instante, muito menos mais homens de sua guarda.
Quando os sinos começaram a tocar, o pássaro foi o primeiro a ser visto adentrando o grande salão, naturalmente. Era um elegante Honchkrow, um corvo cuja maioria da penugem era tão negra quanto à noite e diversificada com algumas poucas rubras, como se o céu noturno fosse levemente pincelado com sangue. Um peito branco e macio, como uma nuvem, sob sua face assustadora e séria, tão destemida que não parecia nunca ter travado uma derrota. As penas formando a silhueta de um chapéu, sobre sua cabeça. O monstro pairou por alguns instantes antes de voar em círculos, como se estudasse o território em que estava presente. Ela chegou, foi o único pensamento que passou pela mente de Angel.
Uma forte ventania deu-se de repente. Os candelabros balançaram descontroladamente e as chamas morreram, deixando somente acesas as mais próximas ao trono onde a rainha encontrava-se. A mulher agarrou-se contra duas imagens das criaturas aladas quando começou a ouvir os passos, mas nada viu. O corvo grasnou. Foi somente quando a feiticeira aproximou-se mais que pode ver seu contorno disforme e, mais tarde, seu rosto e aparência.
Os chifres chamaram-lhe mais atenção. A cor era completamente indefinida, visto que o par de protuberâncias encontrava-se enrolado em um tecido de tonalidade preta, que também lhe escondia os cabelos e fechava-se no fim do pescoço. Seus lábios eram tão vermelhos que pareciam terem sido tingidos com sangue e seus olhos, profundos, observadores e cruéis, eram amarelos como raios de sol, com toques de verde. O contorno de sua face, delicado, perfeito e belo. Suas vestes eram escuras e tão compridas que arrastavam a poeira do chão e balançava suavemente a cada passo. A ponta azulada de seu cajado de salgueiro foi ocupada pelo elegante Honchkrow. A feiticeira era sombria como a noite, mas maravilhosa como um lótus, tanto que a rainha pegou-se a invejando.
Parou a frente do trono de Flames, bateu com o bastão contra a pedra e um som perturbador arrebentou-se nos tímpanos de Angel.
– Ora, ora... – sua voz parecia zombar de cada letra pronunciada, como se todo o momento não passasse de uma brincadeira infantil – Há quanto tempo, Vossa Majestade! – e curvou-se numa reverência, jogando seus braços para trás e abaixando todo o tronco em direção ao chão. Dracarys notou que a bruxa a observava pelo canto superior do olhar e isso prosseguiu até mesmo quanto Maleficent voltou sua coluna ereta.
– Tempo? Não me lembro de termos nos encontrado antes.
– É óbvio que não recordará – a mulher esbanjou um sorriso largo e branco e um riso escorreu do fundo de sua garganta – Mas eu lembro-me de você! A última vez que a vi, você estava em seus aposentos, conversando com o cavaleiro de armadura de bronze. Quando ele se foi, correu para a sacada e as palavras escaparam de sua boca: “Eu preciso de dragões”, foi o que disse. Responda-me algo! – ela fitou a rainha e o tom de seus olhos aparentemente tornaram-se mais esverdeados – Você realmente vai começar uma guerra?
Como sabe disso? Angel quis gritar, em pleno desespero. Como estava em meu quarto? Não havia nada lá! Ou será que havia? Não gostava da sensação de estar sendo observada, principalmente quando disso nem lhe passara pela mente. Contradizendo o que desejada, seus lábios falaram:
– Era você embaixo da cama?
– Aposto que foram meus olhos que me denunciaram – rebateu –, mas o motivo da minha presença aqui não é sobre discutir meus métodos de espionagem. Os Sábios me falaram – mudou sua atenção para suas unhas, analisando se havia algum detalhe estragado ou defeituoso – Você quer fazer um acordo comigo!
– Imaginei que faria de bom agrado, sem nada em troca...
– Toda magia tem seu preço, tolinha – a rainha pensou em incriminá-la pela nomenclatura, mas recolheu-se sob sua própria pele. Não seria adequado repreender alguém de tão alto poder – Não distribuo meus poderes ao bel prazer dos humanos, entretanto faço acordos. Meus conjuros são muito preciosos para mim, então desejo algo valioso da sua parte. Como, por exemplo, poderia me dar...
– Diga logo o que tanto cobiça! – ordenou a suserana do Reino Suspenso.
– Eu quero... – e parou de falar no meio de sua frase, explorando as tantas opções que tinha na palma de sua esbranquiçada mão – sua vida!
Chocou-se.
 Sor Aaron preveniu-me, mas não dei ouvidos a ele, pensou ela imediatamente. Sou a rainha mais burra entre os nove reinos. Magnum é um estrategista, Colton é um poderoso Domador, White é outra bruxa, Ackley é um negociador e eu sou uma burra! Por que eu mandei chamá-la? Para ela tirar-me a alma? No entanto, agora, se não aceitar, ela irá me chamar de fraca e se, ao contrário, dizer “sim”, morro...
– Tem desejos estranhos, Maleficent – foi o que apenas disse.
A feiticeira limitou-se a sorrir ainda mais.
– Não seja tola, tolinha. Por que lhe tiraria a vida agora para depois lhe dar dragões? Não faz sentido nem mesmo a mim. Terei sua vida no momento certo, quando realmente tiver que morrer e só então sua alma me pertencerá. Quero ver um pouco de morte, sangue e destruição antes. Quero contemplar o Reino Idiota de Imbossimg pagar o que me fez!
– Está usando-me como objeto para conquistar uma vingança – Angel não gostava de como aquilo lhe soava aos ouvidos – Não gosto de como isso soa em meus ouvidos. Poderia mandar que lhe cortassem a cabeça, sabia?
– Muito cruel de sua parte. Pode-se dizer que estou apenas, por enquanto, investindo em você. O que acha, aceitará meus métodos ou recusará como um covarde?
 As palavras atingiram-lhe o peito como uma flecha em chamas. Nunca deixaria que alguém, principalmente de uma Casa tão rebaixada ou uma filha de camponês, chamar-lhe de covarde. Ela era Angel Dracarys, Filha de Elijah Dracarys, e nunca fugiu do perigo, muito menos tendo um desejo tão grande sendo apostado sobre o tabuleiro de jogos.
– Aceito! – ela gritou, levando-se do trono e erguendo o queixo o máximo possível. Uma brisa suave, vinda das janelas, remexeu seu longo vestido alvo com enfeites dourados e algumas mechas de cabelo louro desprenderam-se do corte e escorregaram pelo rosto, cobrindo seu olho direito.
– Perfeito, isso dará uma bela refeição para minhas chamas – agitou a mão livre, a da esquerda, e brasas verdes-esmeralda surgiram entre os dedos; era um fogo mais belo do que aquele queimando no Grande Septo, parecia, certos momentos, ser de vidro, já que o outro lado ainda podia ser visto com clareza.  A rainha de Flames encantou-se com a visão – Foi meu acordo mais rápido que já tive. Vossa Graça, tolinha, tem uma conversa direta, ao contrário de outros lordes e reis. Gosto disso em você.
– Obrigada, acredito. Não estou para conversas e desejo logo aquilo vim procurar.
O Honchkrow granou alto e alçou vôo, pairando em círculos ao redor de sua protetora, que atirou seu cajado contra o mármore. Onde o bastão caíra, desaparecera com um estrondo. Os outros cinco dedos, da direita, incendiaram-se em segundos. A face da bruxa iluminou-se quando girou uma meia-volta e sua comprida e grossa capa negra balançou ao vento. Todas as velas apagadas da Sala do Trono retornaram a se ascender, mas agora eram chamas esverdeadas que queimavam o pavio. Maleficent abriu os braços o máximo possível e clamou para que o fogo lhe concedesse o feitiço, murmurando, após, uma estranha língua antiga que Angel desconhecia completamente.
E uma imensa fogueira verde, alta, imbatível e incontrolável, acendeu-se no meio do salão.
– O que acha disso, tolinha? – A bruxa, ainda com os membros estendidos, girou a cabeça para fitar a suserana do reino, gritando mais alto que o crepitar das brasas. Sem obter uma resposta, continuo: – Aproxime-se e aproveite melhor o meu poder. Sinta o calor esquentar seu corpo e os desejos mais profundos se aflorando!
– Eu os quero! – a rainha Dracarys não se conteve. Desceu apressadamente os degraus que elevavam o trono do Reino Suspenso sob a plebe e aproximou-se a passos largos na direção da fogueira esmeralda – Eu almejo meus dragões, mas também desejo essas labaredas.
– Meu fogo não está à venda. Seus dragões eu posso lhe entregar, mas há mais um preço por uma magia tão alta...
– Dei-lhe minha vida – Angel berrou – Como ousa pedir mais de mim? O que quer desta vez: ouro, prata, pedras preciosas, meu reino? Não sou tão tola como acha que sou, Maleficent. Se pensar em tirar-me mais do que a alma, o acordo está desfeito.
– Vou fazer uma magia de sangue, então preciso de sangue – a feiticeira manteve seu tom calmo.
– Meu sangue?
– Não, tolinha, não – suas palavras seguintes fizeram a rainha repensar sobre o que estava prestes a realizar: – Sangue daquilo que mais ama!
Foi então que Sor Aaron surgiu das sombras de um pilar, correndo, espada desembainhada; e sua armadura, antes cinzenta e esbranquiçada, era nada mais do que o reflexo das chamas: verde. Estava indo contra a direção da feiticeira, com a coragem brilhando nos olhos, por baixo do elmo, quando Angel Dracarys o impediu de prosseguir, entrando em seu caminho. O cavaleiro, surpreso, conteve-se bruscamente e sua arma parou centímetros do ombro da mulher. Trocaram um profundo e lamentoso olhar entre si. Um filete de lágrimas ameaçava brotar dos olhos da rainha, que encheu o peito com uma bufada de ar e controlou-se.
– Vossa Graça... – ele começou.
“Sangue daquilo que mais ama”, as palavras martelaram em sua cabeça.
– Como ousa, sor? – ela gritou e sua ira nem mesmo as labaredas esmeralda conseguiriam acalmar, tanto que, em comparação a sua voz, não passava de um zumbido. Talvez todo o castelo já estivesse acordado com devido barulho – Não devia estar aqui! Eu mandei-lhe ir, mas ficou e agora tenta atacar minha convidada – caminhou em círculos ao redor do homem, até que o deixou entre ela e o fogo – Eu sou sua rainha e você é o comandante da guarda, não meu pai!
Sangue daquilo que mais ama...
Pelo olhar do cavaleiro, ela percebeu que escutara toda a conversa, sabia perfeitamente o que cada palavra significava e, muito menos, nem se importava com as reclamações de sua majestade. Sangue... daquilo... que mais ama! Desculpe-me. Um suspiro escorreu dos lábios de Sor Gray e ele fechou seus olhos antes de balbuciar:
– Eu amo você.
Daquilo que mais ama. Ficou sem reação, mas sabia o que desejava responder a ele: Eu também amo você, mas, invés do que almejavam, seus lábios falaram a coisa mais estúpida que podiam ter produzido:
– Obrigada – e empurrou-o com todas suas forças. Aaron perdeu o equilíbrio o suficiente para que as chamas o engolissem por um todo. Angel virou o campo de visão para o lado, impedindo de contemplar a terrível cena e numa inútil tentativa de controlar as lágrimas, que ameaçavam surgir. Um único nome, a pessoa que lhe pertencia, e um som. Os Sábios do Fogo haviam lhe informado que era necessário fogo e sangue para algo renascer, no entanto queria ela ter pensado melhor no preço tão alto que teve que pagar. Arrependeu-se profundamente e os gritos desesperados do cavaleiro encheram o salão.
Quando a Sala do Trono foi banhada pelo silêncio, o primeiro de seus dragões nasceu com um profundo crac espalhando-se – comprido, com escamas azuladas repicadas por todo seu corpo, braços curtos, olhos avermelhados e sérios, asas triangulares e um par de chifres de coloração branca. A criatura formou-se da carne do braço queimado de sor Aaron e saltou das chamas como um ovo sendo chocado e subiu o mais alto possível até o teto abobadado, abriu suas elegantes asas azuis e grunhiu uma adorável música que encheu os ouvidos de Angel. Lembrou-se nas imagens de um antigo livro empoeirado da biblioteca, que amava observar quando criança, e recordou a figura ilustrada daquele monstro e seu nome: Latios.


Crac. O segundo que saíra das brasas ocupara quase metade do grande salão e apagara as chamas por uns poucos segundos. Completamente esbranquiçado, suas escamas se assemelhando mais com pêlos do que com uma crosta, uma cauda longa onde queimava um brilho rubro, imensas garras, asas tão potentes que seriam capazes de destruir um reino caso assim almejassem e um colar duplo envolvendo seu extenso pescoço. Esse não foi capaz de adivinhar o nome, mas era de extrema beleza. Imaginou se seu vestido alvo e elegante estava combinando com as escamas do pokémon.


O que sobrara da Sala do Trono fora ocupado pelo terceiro dos dragões. Crac! Uma criatura temível cujas asas eram feitas de sombras e espinhos rubros como veneno. Seis patas divididas igualmente para ambos os lados de seu corpo, um grosso e dourado elmo protegendo sua garganta e cabeça, uma cauda revolta e um olhar capaz de causar os piores de todos os pesadelos. Por mais que ela se lembrasse da imagem, muito bem colorida do pokémon, era incapaz de recordar sua nomenclatura. Este, ao contrário dos outros dois, não era elegante e cheio de uma graça nascida, mas poderoso, incontrolável e assustador, assim seria a criatura perfeita para representar a nova Angel, alguém que, diante, todos os povos e reinos deveriam se curvar e temer.


– Latios, Reshiram e Giratina – a rainha esquecera-se completamente da presença de Maleficent, mas lá estava ela com suas vestes negras como a terceira besta. As chamas de sua fogueira haviam se apagado em fim, mas uma luz verde-esmeralda ainda iluminava a feiticeira. Mentalmente, agradeceu-a por entregar-lhe aquele lindo presente, seus filhos. Era incapaz de colocar sua emoção em palavras. – Estou na presença de divindades!
E os monstros cantaram em uníssono. Latios com sua doce e meiga música que acalmava os sentimentos, Reshiram com seu berro conquistador, como de um guerreiro que sobrevivera até o fim da guerra, e Giratina com seu grito ensurdecedor e fantasmagórico. A maioria do castelo, que surpreendentemente não acordara com os fatos anteriores, despertou em pânico, enquanto a outra parte dos habitantes, arrevesando os corretores para observar os ocorridos, parou de caminhar, temerosa. Até o castelo do Reino Congelado Aicoo, construído em gelo e neve, estremeceu e a aurora boreal arrebatou-se sobre suas altas muralhas. As criaturas marinhas de Atlantis fugiram para as áreas mais negras do mar naquele momento e os escravos de Slaewis não precisaram de seus feitores para acordar. Até mesmo o poderoso Imbossimg aparentou retrair-se diante de tal som esplêndido. Era com berrante dos dragões que Värzeea despertava para uma nova era!



No próximo capítulo...
Fogo e Gelo! Avancem para o Norte!
Icebelle White Belacour

As notícias de dragões e guerra não tardam a chegar ao reino de Aicoo. O povo esconde-se em seus lares, exércitos marcham para o combate e escolhas e alianças são feitas. A rainha do Reino Congelado apura suas opções. Batalhas de criaturas, antes tão raras, voltam a ocorrer naturalmente. A guerra rompe entre todos os reinos.

7 comentários:

  1. Olá, Matt-Sensei! Vou chamá-lo assim porque você escreve tão bem que merece outro tipo de tratamento. kk'

    Está fantástico! Mas essa rainha é demasiado egocêntrica, eu acho... Mas talvez seja para ser realistas, pois na Idade Média, as pessoas ricas eram assim mesmo, egocêntricas e frias. Mas ela tem um pinguinho de sentimento, parece. xD
    Pena que o seu guarda morreu... Coitadinho, mas "ressuscitou" como dragões lendários. Era bonito se a mente dele habitasse o corpo desse dragões e assim Sir Aaron pudesse continuar com sua amada rainha.

    Mas o capítulo ficou enorme! Quase ninguém vai ler! Acho que deveria tornar os capítulos mais pequenos. Assim também iria originar mais capítulos.

    Penso que é tudo. Bye, Sensei! ~ :D

    ResponderExcluir
  2. Olá, Okumura. Obrigado por comentar e pela nomenclatura, gostei muito. rsrs'

    Certo, o objetivo principal era mostrar como Angel é extremamente egocêntrica e pode até matar qualquer um em seu caminho só para conseguir o que almeja, mesmo que seja tirada a vida de seus pais ou de seu verdadeiro amor. Esperava passar essa mensagem claramente no texto e, pelo notado, consegui.

    Um coisa que notei no seu comentário é que utilizou a nomeação Sir para referir-se à Aaron Gray e não Sor, como usei durante todo o capítulo. Bem, queria só explicar meus motivos de mudar uma das letras, caso algum dos leitores tenha essa dúvida em mente: ambas estão corretas, mas George R. R. Martin, enquanto escrevia seus livros das As Crônicas de Gelo e Fogo, denominava os cavaleiros como Sor (até mesmo a tradução dos livros adotou esse método) e basicamente acabei utilizando-o também. Somente isso!

    Sei que o capítulo ficou muito extenso e tenho máxima certa que de cada dez pessoas que olharem o capítulo, apenas uma irá ter coragem de lê-lo completamente. Desde que comecei a escrever Nine Kingdoms, percebi que seria um grande problema, contudo, mesmo que eu tentasse (e tentei), não conseguiria diminuir o volume de informações. Talvez a ideia de dividir os capítulo seja boa, mas o problema nesse caso seria: os fins dos capítulos cortados serão tão bons e impactantes quanto os finais dos originais? E é essa questão que me incomoda, já que desejo causar uma emoção de surpresa ao leitor.

    Muitíssimo obrigado por comentar. Suas ideias, pode ter completa certeza, serão pensadas e até mesmo adotadas se o final da história continuar o mesmo que criei...

    Até a próxima. Bye! :D

    ResponderExcluir
  3. Caramba. Gostei muito. `Eu preciso de dragões`... eu tenho um sylveon, sabe de nada inocente. A forma q foi escrita esta fic foi demais. A minha Sinnoh Adventures, que é a minha primeira fic, nem chega aos pés dos detalhes desta aqui. Me lembrou as Cronicas de Gelo e Fogo conjunto de livros ótimos. Se quizer ler a minha, se chama Sinnoh Adventures e está no blog Pokesite. Realmente muito boa.

    ResponderExcluir
  4. "Eu preciso de dragões!" rsrs.

    Como você citou a escrita, só gostaria de explicar que utilizei esse método de escrever por causa da época e estilo de vida em que estamos lidando. É um período quando os detalhes são muito bem valorizados, tanto que há castelos, jardins muito bem cuidados, templos de marfim, e muitas coisas específicas, por isso resolvi usar esse desenvolvimento mais descritivo, para tornar a história mais real.

    Referindo-se As Crônicas de Gelo e Fogo, só tenho a dizer que toda a inspiração da fanfiction foi retirada da coleção de livros de George R. R. Martin. É lógico que há mais contos misturados à trama, contudo a coleção mística desse renomado escritor é a mais presente.

    Obrigado por comentar e pelos elogios. Pretendo sim ler sua Sinnoh Adventures. Até a próxima! :D

    ResponderExcluir
  5. Muito massa..... dragões e dragões e mais ..... dragões .... até hoje não entendi como os fada vence os dragões..... pretendo acompanhar esta fic.

    Eu já li dois capitulos de Sinnoh Adventures e me apaixonei pela menina, mas demora muito de postar...... E eu abandonei.

    ResponderExcluir
  6. Olá Anônimo.

    Como você obviamente percebeu, há muitos dragões nesse capítulo, mas, por enquanto, somente nesse. Nos próximos que estarão por vir irei apresentar, pode ter toda certeza, todos os mais diversificados tipos de pokémons.

    Acredite quando digo que também não entendo como as criaturas do tipo fada possuem vantagem contra os da espécie dragão.

    Obrigado por seu comentário. Até a próxima! :D

    ResponderExcluir